Os Vedas, escrituras sagradas hindus, relacionam a felicidade à aceitação do que já somos
Moksha, segundo a tradição védica, é a liberação do sentir-se inadequado e incompleto
Como você classificaria sua vida, hoje? Você poderia dizer que é feliz, ou que ainda busca a felicidade? E se é feliz, o que pode perturbar essa felicidade?
Talvez você não tenha uma resposta pronta para estas perguntas e, se tentar responder, provavelmente levará um certo tempo considerando os aparentemente inúmeros fatores envolvidos no processo. "Tenho o emprego que eu queria? Tenho uma família, amigos, marido ou mulher que eu amo? Posso conseguir as coisas que desejo, como viagens, uma casa própria, segurança?" O.k., justo. É preciso pensar nessas coisas. Mas, o que isso tudo tem a ver com felicidade?
Um outro ponto de vista
É muito interessante como pensamos em felicidade em termos de aquisição daquilo que desejamos, ou de podermos nos livrar do que é indesejado. Esses desejos estão contemplados pelo que a tradição Védica chama de purusharthas, as buscas humanas por artha (segurança), kama (prazer) e dharma (princípios). Já que essa tradição tem mais de 5 mil anos, podemos perceber que não mudamos tanto assim, em essência, pois vemos que isso continua válido até hoje.
O ser humano se descobre, desde muito cedo, como um buscador e assim sai pelo mundo. A primeira coisa de que sentimos necessidade é a segurança. Talvez não seja possível construir uma vida plena se não podemos confiar que teremos um teto sob o qual dormir, ou uma certa forma de lidar com nossas necessidades básicas, o que normalmente se traduz hoje por obter dinheiro.
Uma vez livre dessa preocupação, surge o desejo pelo divertimento, pelo prazer, em qualquer forma que possamos imaginá-lo. Desde o prazer de tomar um sorvete até a satisfação de nossos desejos sexuais. Normalmente tudo que fazemos com nosso tempo livre é ocupá-lo gastando o rico dinheirinho adquirido na busca pela segurança.
Ou melhor, quase tudo, pois existem ocasiões em que não estamos fazendo nem uma coisa nem outra – estamos cumprindo nossas obrigações como pais, como cidadãos, como maridos ou esposas, etc. Isto é observar o dharma, ou seja, o seu dever, o seu papel a cumprir em determinada situação.
E é isto! Os Vedas resumiram, em três simples palavras (artha, kama e dharma), a busca de uma vida inteira. Mas ainda podemos perguntar: o que tudo isso tem a ver com a tal da felicidade?
Porto seguro
Dinheiro vem, dinheiro vai. Pessoas surgem e desaparecem. Se depositarmos o peso da nossa felicidade em cima de qualquer de nossas conquistas, ela será sempre impermanente, pois não há nada que possamos conquistar que seja infinito. E ninguém quer ser feliz só por um tempinho. Queremos ser felizes agora e pelo maior tempo possível, ou seja, para sempre.
Toda essa busca desenfreada pelas conquistas tem um outro problema. Se ganhar dinheiro fizesse as pessoas felizes, não haveria nenhum rico triste. Se ter pessoas próximas que nos amam é, de fato, o que nos torna completos, não haveria nenhum drama dentro de uma família. Em suma, se qualquer objeto, pessoa, ou situação fosse fonte de felicidade, isso deveria funcionar sempre, correto?
Mas, às vezes, as pessoas de que mais gostamos são as que mais nos irritam. Os lugares que visitamos se tornam enfadonhos e os prazeres já não satisfazem como antes. Então, talvez possamos vislumbrar que essas coisas todas, embora nos pareça o contrário, não têm nada a ver com a felicidade em si. Elas não são mais do que um canal, uma forma de contato com a sensação de estarmos completos, plenos, ou seja, felizes. Mas, se a felicidade não vem de nenhum lugar, então, como ela aparece?
Esta é uma pergunta muito melhor, e mais fácil de responder.
Você é felicidade!
Consideremos primeiro que os Vedas também previram essa questão e, na lista acima dos purusharthas está faltando um, perfazendo o total de quatro. E este último se apresenta para aquelas pessoas que arriscam fazer um questionamento como este que fizemos acima e se perguntam: se todas as conquistas são finitas, que sentido tem a vida, afinal?
Neste ponto surge então o desejo por moksha, ou liberação. Liberação daquilo que, segundo a tradição Védica, é o problema essencial do ser humano, aquele que fundamenta todas as buscas e transforma o homem num eterno buscador – o sentir-se inadequado, incompleto.
Se o questionamento feito nos indica que isso pode ser uma coisa impossível de se fazer, a boa notícia é que já está feito. Isso mesmo. Neste exato momento em que você lê estas linhas, você já é livre de todos os problemas da sua vida.
Pode ser chocante, mas esta é a proposta da tradição Védica e do Yoga – nós já somos completos e felizes por nossa própria natureza. Tudo que as conquistas e situações fazem é descortinar esse fato para nós e então a sensação de felicidade essencial vem à tona.
"Espera aí… então, não preciso fazer nada para ser feliz?"
Bom… sim e não. Não, pois, como vimos, isso já é um bem adquirido. Não há nada que você possa fazer para conseguir uma coisa que você já tem.
Mas, sim, é preciso fazer algo para que este fato fique evidente, pois, como você já percebeu, se fosse claro que o problema já está resolvido ninguém precisaria ficar projetando a própria felicidade num carro zero quilômetro. Acontece que, ao ignorarmos o fato de já sermos plenos e felizes por natureza, nos identificamos com o corpo físico e a mente. E quando eles sofrem, nós sofremos.
O objetivo do Vedanta é destruir essa ignorância e fazer evidente este ser pleno que já somos. Enquanto isso não acontece, há uma coisa bem prática que podemos fazer – evitar projetar a felicidade numa pessoa ou objeto.
E em cada falha, em cada quebra de expectativa, tentar ver o mundo como ele é e não como esperamos que fosse.
Ter um olhar objetivo sobre a realidade é um passo muito importante na conquista do autoconhecimento que, este sim, nos dará a felicidade que tanto buscamos.