quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Subir pelo lado que desce
“Viver é subir uma escada rolante pelo lado que desce.”
Ouvindo essa frase imaginei qualquer pessoa nessa acrobacia que crianças fazem ou tentam fazer: escalar aqueles degraus que nos puxam inexoravelmente para baixo.
Perigo, loucura, inocência, ou boa metáfora do que fazemos diariamente? Poucas vezes me deram um símbolo tão adequado para a vida, sobretudo naqueles períodos difíceis
em que até pensar em sair da cama dá vontade de desistir.
Tudo o que a gente queria era cobrir a cabeça e dormir, sem pensar em nada, fingindo que não estamos nem ai...
Porque Tânatos, isto é, a voz do poço e da morte, nos convoca a cada minuto para que a gente enfim se entregue e se acomode.
Só que acomodar-se é abrir a porta para tudo isso que nos faz cúmplices do negativo.
Descansaremos, sim, mas tornando-nos filhos do tédio e amantes da pusilanimidade,
personagens do teatro dos que constantemente desperdiçam seus próprios talentos
e dificultam a vida dos outros.
E o desperdício de nossa vida, talentos e oportunidades é o único débito que no final não se poderá saldar: estaremos no arquivo morto.
Não que a gente não tenha vontade ou motivos para desistir: corrupção, violência, drogas, doença, problemas no emprego, dramas na família, buracos na alma, solidão no casamento a que também nos acomodamos...
tudo isso nos sufoca. Sobretudo se pertencermos ao grupo cujo lema é: pensar, nem pensar... e a vida que se lixe.
A escada rolante nos chama para o fundo: não dou mais um passo, não luto, não me sacrifico mais.
Pra que mudar, se a maior parte das pessoas nem pensa nisso e vive do mesmo jeito, e do mesmo jeito vai morrer? Não vive (nem morrerá) do mesmo jeito.
Porque só nessa batalha consigo mesmo, percebendo engodos e superando barreiras, a gente também pode saborear a vida.
Que até nos surpreende quando não se esperava, oferecendo-nos novos caminhos e novos desafios.
Mesmo que pareça quase uma condenação, a idéia de que viver é subir uma escada rolante
pelo lado que desce é que nos permite sentir que afinal não somos assim tão insignificantes e tão incapazes.
Colheremos quem sabe ainda uma vez – ou finalmente – a fruta mais dura de mastigar
e mais doce de sentir: um amor bom.
Então, vamos à escada rolante: aqui e ali até conseguimos saltar degraus de dois em dois, como quando éramos crianças e muito mais livres, mais ousados e mais interessantes. E por que não? Na pior das hipóteses caímos, quebramos a cara e o coração, e podemos ainda uma vez... recomeçar.
Lya Luft - Pensar é Transgredir
pugno ergo sum
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